terça-feira, 20 de janeiro de 2015

"Português vulgar"?

Olás...


Encontrei essa "pérola", de Luís Fernando Veríssimo, embora já bastante difundida, há poucos dias a reli, enviada por uma das filhas (um dos motivos ela deve ter pensado: "Isso é a cara da mamãe"). E é!

"Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português vulgar que vingará plenamente um dia. Sem que isso signifique a 'vulgarização' do idioma, mas apenas sua maior aproximação com a gente simples das ruas e dos escritórios, seus sentimentos, suas emoções, seu jeito, sua índole.


"Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade do que 'Pra caralho'? "Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas Pra caralho, o Sol é quente Pra caralho, o universo é antigo Pra caralho, eu gosto de cerveja Pra caralho, entende?

No gênero do 'Pra caralho', mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso  'Nem fodendo!'. O 'Não, não e não!' e tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, absolutamente não" o substituem. 'Nem fodendo' é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranquila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo 'Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!'. O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o 'porra nenhuma!' atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a gravata daquele chefe idiota senão com um 'é PhD porra nenhuma!', ou 'ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!' . O 'porra nenhuma', como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos 'aspone', 'chepne', 'repone' e, mais recentemente, o 'prepone' - presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um 'Puta-que-pariu!', ou seu correlato  'Puta-que-o- pariu!', falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba... Diante de uma notícia irritante qualquer um 'puta-que-o- pariu!' dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso 'vai tomar no cu!'? E sua maravilhosa e reforçadora derivação 'vai tomar no olho do seu cú!'. Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: 'Chega! Vai tomar no olho do seu cú!'. Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: 'Fodeu!'. E sua derivação mais avassaladora ainda: 'Fodeu de vez!'. Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? 'Fodeu de vez!'. Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de 'foda-se!' que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do 'foda-se!'? O 'foda- se!' aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. 'Não quer sair comigo? Então foda-se!'. 'Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!'. O direito ao 'foda-se!' deveria estar assegurado na Constituição Federal. Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se!.

Grosseiro, mas profundo... Pois se a língua é viva, inculta, bela e mal-criada, nem o Prof. Pasquale explicaria melhor. 'Nem fodendo...'


Luis Fernando Veríssimo"

"Foda-se o adestramento!"



E quem quiser me recriminar por ter publicado isto no blog,  que ......くそ !

Mamãe Coruja

25 comentários:

  1. Grande Luís Fernando Veríssimo!
    E que bonito para publicares também na noss'a funda São ;O)

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  2. Sim. Certamente. Tem a cara d´afunda São.

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  3. Eu entendera...
    Mas poderia ser uma mensagem subliminar.

    >(((((•> ~ ~ ~ <•)))))<

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  4. Ri com vontade com este texto de Luís Fernando Veríssimo!
    Faz perfeitamente a cara de muita boa gente que conheço e até de quem amo muito.
    Educada a não dizer palavras " feias" ( como se elas existissem) chocava-me ouvi-las, apesar de ser filha de transmontano onde se fala um português bem vernáculo...
    Hoje entendo-as, tal como o autor referenciado tão bem justifica.
    Um tio de minha mãe, um tio maravilhoso, dizia, falando para mim :
    -Ó Celeste, o filha da puta é mesmo a cara do pai!
    Uma delícia recordá-lo...

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    1. rssss

      já começa que "puto" aí se refere a um garoto...rsss

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  5. Terei de esclarecer que o tio Xico se referia ao meu filho!

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  6. Referia-se ao teu filho e...meu!
    Ai ti Xico, Ti Xico
    Mas como assisti ao que o filha da puta disse,tá tudo em familia!
    Mas era mesmo castiço!

    Mas o texto está lindo de morrer!
    Assim sendo: rsssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss

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    1. Pois, o Ti Xico não ligava a ginecologistas... e agora rsssss eu :O)

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    2. E Tio Xico teve razão. A foto da Família postada no Encontro de Gerações, dezembro passado, era "cara de um, focinho de outro". Um baita filho da puta de parente!
      (com todo respeito à Arvore Genealógica!)

      rsss

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  7. Por associação de ideias lembrei-me de uma anedota que a minha tia contava:
    A mãe estava a bater na filha e a pequena a chorar disse: Filha da puta!
    A mãe: O quê? Quem é que é filha da puta?
    Não és tu, sou eu, diz a filha! Ao que a mãe responde: Áh! Foi o que te valeu!...

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  8. O texto está bom p'ra caralho (o meu, claro, que o dos outros nem quero saber se é bom)...
    Eu via-me fodido para escrever assim um texto!...

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