Olás...
Dia 17 último, ouvi em uma Rádio, um discurso que acontecia no Senado da República, momento em que me dirigia ao trabalho. De início, o tema me prendeu, porque trazia à tona o assassinatos dos 43 estudantes, no México. Ouvi o discurso do início ao fim. Depois, o resgatei da própria Rádio da qual o ouvira.
Políticos, geralmente, adoram discursar, falar bonito, e o discurso quase sempre não "bate" com a prática. Muitas das vezes nem é o próprio político quem redige o discurso. Mas ali não me importou esse detalhe. Ative-me à questão, delicada, por sinal. Para mim, valia o chamamento.
Sendo hoje o Dia da Consciência Negra, quem sabe podemos também refletir acerca dos pontos mencionados no discurso!?
Eis a questão, ipisis literis:
"No
dia 26 de setembro, há menos de 2 meses, 43 estudantes mexicanos, alunos de uma
escola de formação de professores de Ayotzinapa, foram sequestrados e assassinados
por policiais, acumpliciados por
traficantes, na cidade de Iguala, no Estado de Guerrero. O desaparecimento e
execução dos estudantes comoveram o Mundo, e, por mais de 1 mês, foram destaque
do noticiário internacional. Até o Papa se pronunciou a respeito dessa
barbaridade.
Na
madrugada do dia 05 de novembro, depois de terem anunciado a razzia, pelas
redes sociais, policiais militares paraenses varreram a periferia da cidade de
Belém, em uma expedição de vingança, pela morte de um membro da Corporação,
deixando um saldo de 10 a 35 mortos. Entre as vítimas do massacre estava o
estudante Eduardo Galúcio Chaves, de 16 anos, que voltava da escola. Portador de
necessidades especiais, assustou-se com os tiros, e, mesmo com dificuldade, Eduardo pôs-se a correr e foi abatido com 5 tiros pelas costas.
Alguns dos executados no
Pará, receberam mais de 30 tiros.
Mesmo que a própria Polícia Militar tenha apregoado a expedição, os
assassinatos foram atribuídos à guerra entre traficantes, a mesma versão inicial
para o desaparecimento dos normalistas mexicanos.
Parafraseando
Caetano Veloso, Iguala é aqui! Com a diferença que as 10 ou 35 execuções, em
Belém, não ganharam a repercussão, quer nacional, quer internacional das
execuções mexicanas.
Lá e cá, os massacres serão rapidamente esquecidos,
enterrados com suas vítimas. Os massacres de ontem serão suplantados pelos
massacres de hoje.
Um
estudo, há pouco divulgado, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG, que se dedica ao tema, revelou que nos
últimos 5 anos, a Polícia brasileira matou, em média, 6 pessoas por dia. Entre
2009 e 2013, foram 11.197 mortes provocadas, oficialmente, pelos nossos "agentes
da lei".
Nos
EUA, nos últimos 30 anos, a Polícia matou 11.090 pessoas. Em 30 anos, 11.090
pessoas contra 11.197 mortes provocadas pelos nossos agentes da lei, entre
2009 e 2013. E olha, que segundo o Fórum, a letalidade de nossas polícias
está caindo. Estas estatísticas, no entanto, ressalva a ONG, são imprecisas, já
que apenas 11 das 27 unidades da Federação informaram os números pedidos pelo
Fórum. E, mesmo assim, esses números não são informações confiáveis.
Afirma
o Fórum: "A maioria das polícias do País, não tem a prática de fazer
acompanhamento da letalidade policial. Há uma subnotificação. Sabemos que é bem
maior do que está registrado". Uma pista, para comprovar esta subnotificação,
calcula-se que, anualmente, 50 mil brasileiros morram assassinados. E, como no
caso de Belém, do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Salvador, os massacres serão
sempre atribuídos a conflitos entre bandidos, ou a tal resistência seguida de
morte, os famigerados autos de resistência. Uma excrescência, criada pela
Ditadura, para massacrar as execuções, e que sobrevive até hoje.
Assim,
como os 500 ou mais assassinatos havidos em São Paulo, em apenas dois dias, de
maio/2006, jamais foram ou serão investigados, também os assassinatos de Belém,
que permanecerão intocados, assim como os seus autores. Os 500 assassinatos em
São Paulo ficaram por conta da guerra da Polícia Militar com o PCC. Um
levantamento superficial, feito à época, mostrou que a maioria das vítimas era
trabalhadores sem registros policiais.
Há
um alarido danado nesta Casa e na Casa aqui ao lado, contra a corrupção.
Compartilho com a inquietação, mas rejeito essa visão seletiva de parte do
Congresso, do Ministério Público, do Judiciário e da mídia em relação à
corrupção. Corrupção não é apenas o desvio de dinheiro público, propina,
suborno, manipulação em licitações. É também corrupção a indiferença do
Parlamento, do Executivo, do Judiciário, do Ministério Público, da Academia, das
Igrejas e da mídia diante da violência, especialmente da violência dos agentes
públicos. Da mesma forma que a impunidade do desvio do dinheiro público
provocará mais corrupção, a impunidade da violência policial provocará mais
violência, maior instabilidade social e perpetuação da injustiça.
Silvia
Colombo, repórter especial da Folha de
São Paulo, que se dedica especialmente a cobrir a América Latina – não sei
se foi despedida pela Folha, também, está despedindo dezenas de jornalistas – mas
fez Silvia Colombo uma ligação direta entre o massacre dos estudantes em Iguala,
com o terrível massacre de centenas de estudantes na cidade do México, em 48, 46
anos atrás. O prefeito e os narcotraficantes de Iguala não queriam que os
estudantes perturbassem um ato oficial.
O
Presidente Diaz Ordaz não queria que os estudantes perturbassem as Olimpíadas,
que o México sediava àquele ano. E a impunidade do massacre de 68 é a nutriz do
massacre de 2014. A diferença entre uma carnificina e outra é que agora os
mortos foram contados. Enquanto que, a sinistra contabilidade de 68 permanece,
até hoje, inconcluso. O massacre mexicano de 46 anos atrás. Quer dizer, o
México, 46 anos atrás, estava
preparado para uma tragédia igual à de Iguala. Como o Brasil, depois das
chacinas da Candelária, de Vigário Geral, do Carandiru, está preparado para a
chacina de Belém, para a chacina de 2006, em SP, e para quantas mais se
sucederem nessa terrível crônica de impunidade, de indiferença e de desprezo
pelos mais pobres, e pelos que estão à
margem da sociedade dominante.
Não
se trata, Senador Suplicy, apenas da banalização do mal, da vulgarização da
violência, da mediocrização da vida. Trata-se, sim, da institucionalização do
mal, da violência, e da institucionalização do desapreço à vida.
É a reinvenção
continuada da barbárie.
O desdém em relação aos pobres, quase sempre pardos e
negros, não se flagra apenas quando expedições oficiais punitivas agem nas
periferias das cidades como capitães de mato na captura de escravos fugitivos.
Quase
sempre, as catástrofes que vitimam os humilhados e ofendidos pela sociedade de
classe, pouco comovem os do topo desta sociedade.
Senhoras e Senhores Senadores,
neste 2014, registram-se os 30 anos de
uma das piores tragédias do Séc. XX, no Brasil, o incêndio da Vila Socó, favela sobre
palafitas na cidade de Cubatão, em SP. Fazia tempo que os dutos da Petrobrás,
que ligam a Refinaria Presidente Bernardes à Cubatão ao terminal da Alemoa, em
Santos, estavam sem manutenção e vazando gasolina no mangue, onde as palafitas
haviam sido erguidas. Na noite do dia 24 de fevereiro de 1984, uma falha operacional, combinada com a corrosão dos dutos, provocaram o vazamento, de uma só vez, de
700 mil litros de gasolina no mangue. Alertada pelos moradores, a Refinaria
informou, que primeiro precisava da avaliação de um engenheiro que morava em
Santos, para acionar, ou não, os bombeiros. Bastava uma faísca para a tragédia: o fósforo,
o isqueiro, um curto circuito.
Seja lá o que tenha sido, essa faísca provocou o
fogo, que consumiu Vila Socó em poucos minutos. Como sempre, quando se trata de
favelados, de pardos e negros, de trabalhadores e pobres, a contabilidade das
vítimas, até hoje, não fechou. Assegura-se, que o número de mortos ultrapassou
os 700, podendo chegar a mil, mais da metade crianças, 300 crianças de 0 a 3
anos; 245 crianças de 3 a 6 anos. Afora uma enorme quantidade de feridos. Entre
os estertores do Regime Militar, e embora suspensa a censura, não houve empenho
para investigação da calamidade e o balanço criterioso das vítimas.
Afinal, o
Haiti é aqui. E quem lá quer saber o que acontece no Haiti, na Vila Socó, no
Capão Redondo, no Guamá, ou na Baixada, ou no Alemão?
De vez em quando alguém se
interessa. Noticiam os jornais, que semana passada a Defensoria Pública de São
Paulo, fez um apelo urgente às Nações Unidades, para que investiguem o
assassinato, no dia 7 de setembro, de 4 jovens, entre 16 e 21 anos, na favela
São Remo, na Zona Oeste da capital paulista. Eles foram inequivocamente
executados pela Polícia. O caso foi entregue a um Setor da ONU, que investiga
execuções extrajudiciais.
Será que desta
vez teremos novidade?
Não terá, com este apelo, a Defensoria Pública de São
Paulo, confessado a sua absoluta inutilidade? Insubsistência? Não terá
confessado sua nulidade e absoluta inoperância? Quando se dedicam
desesperadamente às lutas salariais, aos acréscimos, aos absurdos, aos
auxílios-residência e tudo o mais, à semelhança do conjunto do Judiciário e do
Ministério Público. Isto realmente não é novidade.
Será,
ou seja como for, será pouco o que fizeram. Sempre há de ser pouco, mesmo porque
não é a punição fortuita de membros dos sinistros esquadrões da morte, que agem impunemente no
Brasil, que mudará
a realidade dos fatos, a natureza verdadeira das coisas.
E
qual é a natureza das coisas, no caso da violência policial, para-policial,
civil ou social? Talvez pudéssemos
simplificar e tão pura e simplesmente, endereçar tudo à conta das estruturas
econômica e social e, redundantes na simplificação, dizer que nada muda se essas estruturas não
forem sacudidas, demolidas ou refeitas.
Talvez
pudéssemos abrir aqui um parêntese e citar Marx ou Toynbee, que mesmo separados ideologicamente,
pela distância da Terra à Lua, coincidem quanto a obsolescência dos Sistemas, que sinais como esses, que diariamente explodem à nossa volta indicam, pressionam
por um novo tempo, e que é da decadência irresistível do velho que deve nascer o
novo?
Talvez,
na mesma linha, me fosse permitido citar meu velho mestre, Guerreiro Ramos.
Talvez, para entender porque as nossas
Polícias executam 6 pessoas por dia (bem mais, muito mais, na verdade). Para
saber as razões porque mais de 50 mil brasileiros são assassinados todo ano, e
outros 50 mil são abatidos pelos acidentes de trânsito, e mais de 3 mil morrem em acidentes de trabalho. Talvez seja o
caso, talvez fosse o caso de dar uma olhada para trás, para nossa história, e
com ela, Senador Cristovam, aprender alguma coisa.
Olhar pelo retrovisor,
perscrutar,
examinar com atenção a busca de explicações, para nossa violência, para nossas
mãos sujas de sangue, para nossa história, ela mesma empapada de
sangue.
Para
tentar descobrir porque somos um dos países mais sanguinários do Planeta Terra, mais até do que aqueles que vivem em
permanente Guerra. Cite-se que a Guerra
da Síria, que mês que vem entra em seu 5º e sangrento ano, matou até agora,
estima-se, 170 mil pessoas. Em cinco anos! Enquanto que a carnificina brasileira, nas periferias pobres das cidades e do
campo, nas ruas e nas estradas, nas fábricas e construções, ceifa quase que a
mesma quantidade de vidas, por ano.
Para
aqueles que se chocam, repito a pergunta: somos ou não somos um País
sanguinário, violento, em guerra com o povo?
País cordial,
Senador Suplicy? Ora bolas!
Não é possível, que insistamos nisso, mas parece que
isso não interessa às nossas elites, Senador Cristovam. E nós somos a Elite!
Somos as mulheres e os homens bons, os pais da Pátria, o escol, como se dizia
antigamente. E, como tais, não temos nada
a aprender com a história e com o passado. Não temos que nos ocupar em escavar o
tempo à cata das origens do mal.
Neste
momento, assoberbam-nos assuntos de maior importância, para que a morte violenta
de mais de 100 mil brasileiros anualmente interrompam as nossas atividades. Mesmo porque esses 100 mil brasileiros,
são quase todos pretos de tão pobre, e
pobres são pretos, e todos sabem como
tratamos os pretos.
Termino
aqui, esse pronunciamento, ciente de que minhas palavras vão se dissolver,
desmanchar-se antes que cheguem ao plenário, às galerias, à tribuna de honra ou
à bancada dos jornalistas, as ideias e os dados que aqui expedi.
Afinal,
a oposição tem um presidente a derrubar. A situação, um presidente a sustentar.
Os jornalistas? Estão excitadíssimos demais com tantas prisões e escândalos.
Nesta azáfama, quem lá está se preocupando, se neste dezembro, contabilizaremos
100 mil brasileiros mortos violentamente.
Quase todos pretos, de tão pobres, e pobres
são como pretos, e todos sabem como aqui tratamos os pretos.
Presidente,
faço aqui o registro da minha indignação diante do que acontece no País, nesse
momento. Nossa situação é igual, senão pior, do que a do México, com o
assassinato dos 43 estudantes de Pedagogia, futuros professores, que emocionaram
e provocaram até uma reação do nosso
excepcional Papa João
Francisco." (grifos meus).
Eu ouvi. Quisera ter alguma mágica para situações como essas não mais acontecerem.
Mamãe Coruja