sábado, 15 de março de 2014

Tráfico de Pessoas: Um crime dos mais ignóbeis.

Olás...




O Dia Internacional da Mulher foi ofuscado pelas folias do Carnaval, mas ainda - e quiçá fossem todos os dias – estamos  falando do papel  da mulher na sociedade. 

Foi assim que dia 14 último, em comemoração ao Dia D´Ela, assisti  - durante o expediente de trabalho -  uma séria e importante palestra sobre o tema  tráfico de pessoas, proferida pela socióloga Márcia Maria Oliveira, doutoranda do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Pesquisadora do tema tráfico de mulheres na Amazônia é autora, em parceria com Iraildes Caldas Torres, do Livro “Tráfico de Mulheres na Amazônia, publicado em 2012.

O Brasil é um país que tem um cabedal de leis, e até podemos  classificá-las de “quase perfeitas”.  Exemplo disso é o Decreto Nº 5.948, de 26/10/2006, que instituiu a  Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Estabelece, dentre outras, as bases do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – PNETP, uma legislação bastante avançada. No entanto, segundo a pesquisadora, a operacionalização do PNETP,  através dos núcleos espalhados nas regiões mais críticas e vulneráveis, não consegue concretizar a legislação. Esse é o (grande) problema do Brasil: tem as melhores leis, mas o problema é aplicá-las.

Durante a palestra, foi lido um dos depoimentos publicados no Livro, de uma mulher, com 8 anos de idade à época em que foi levada de sua família, com a promessa de que seria “filha de criação”  de um casal, com direito a estudos, inclusive. No interior, é costume pessoas estranhas à família tornarem-se “padrinhos”, uma espécie de ritual  praticado nas festas juninas. Mas fica valendo como se fossem  mesmo padrinhos, como  no batismo da criança, uma prática da Religião Católica.

Os pais da então menina, certamente carentes e ignorantes, confiaram naquela promessa e permitiram que a filha fosse embora, mesmo sem querer sair de perto de seus pais. Mas era apenas uma menina com 8 anos de idade. 

Ao chegarem ao destino (Rio de Janeiro), a menina não teve o que foi prometido a ela e aos seus pais, pelos padrinhos. Muito pelo contrário. Apanhava quase que diariamente, até aprender a fazer todo o serviço da casa (limpar, lavar, passar a ferro as roupas etc). Foi colocada em um quarto, nos fundos da casa, tendo tratamento diferenciado dos demais da família. Segundo o seu relato no livro,  o homem (padrinho),  noites seguidas, levava o filho de 15  anos até seu quarto, e  lá a usava sexualmente, mostrando ao filho  como deveria fazer o mesmo,  com ela. Relata que gritava muito e tinha certeza que a “madrinha” a escutava e sabia o que se passava no seu quarto, mas nunca tomou nenhuma atitude. 

Engravidou 5 vezes, e em todas a “madrinha”  dava-lhe remédio para abortar. Depois de quase 10 (dez) anos assim, um dia conseguiu fugir.

O estudo da socióloga é resultado de intensa pesquisa e entrevista com meninas/mulheres que vivem na prostituição, geralmente em países da Europa, como  Espanha, Itália e Portugal. Segundo ela, essas mulheres foram traficadas, com a promessa de empregos. Algumas, até menores de idade, com documentos falsos, saem com visto de turista e, após esse período, somem literalmente do mapa. Ficam nesses países de forma irregular, e o aliciador se aproveita da situação para escravizá-las de todas as formas.

Infelizmente, a Região Amazônica é uma das rotas preferidas pelos aliciadores. Márcia comentou que ao fazer a pesquisa soube que um estrangeiro, se dizendo pesquisador de uma instituição científica da nossa cidade, levou com ele uma garota, até hoje sem a Polícia e a família saberem o paradeiro.

As reservas indígenas da Amazônia, segundo a socióloga, nem são tão “reservadas”  como se pensa. O trânsito é livre por lá e “o direito de ir e vir está garantido ... (...) ... o fato de estar numa reserva indígena não constitui uma garantia de imunidade ao tráfico ...(...)... o  tráfico de meninas e  mulheres indígenas é muito antigo na região, especialmente nas áreas de fronteira onde há forte presença do Exército que representa a presença do Estado, e nem por isso consegue coibir o tráfico,  pelo contrário”, afirmou.

Não é segredo que os antecedentes históricos do tráfico de pessoas na região  vêm desde o processo de colonização da Amazônia. Por terem suas aldeias geralmente às margens dos rios amazônicos, os índios foram - e continuam sendo - alvo de toda forma de exploração, inclusive sexual, tornando mulheres e crianças vulneráveis, continuamente. 

Em outro momento áureo (?) da nossa história - o Ciclo da Borracha, de 1879 a 1945 -, foram registrados raptos e a comercialização de crianças e adolescentes do sexo feminino, para o trabalho escravo e a exploração sexual.

Portanto, por ser um tema de suma importância, vale a pena registrar parte de uma entrevista da socióloga  ao portal Amazônia Real , da qual extraio o texto abaixo, para jamais esquecermos de discutir esse tema, em qualquer espaço, em qualquer data, porque, embora não tenhamos próximos a nós algum caso de pessoa traficada, isso não é motivo para nos mantermos alheios ao mais ignóbil e mais rentável crime de todos os tempos, perdendo somente para o tráfico de drogas e de armas: o tráfico de pessoas.
 
“Todos esses elementos nos permitem compreender uma das dimensões da condição da mulher na Amazônia e a necessidade de desnaturalizar as relações de poder e dominação a que fomos e continuamos sendo submetidas. Tais condições de dominação deixam caminhos abertos para a atuação das redes de tráfico em toda a região onde crimes como a pedofilia, o estupro e a escravidão não são denunciados e favorecem a atuação dos aliciadores que recrutam mulheres e meninas para a prostituição nos grandes centros, nos garimpos clandestinos no interior da Amazônia, nas frentes de trabalho dos grandes projetos como a construção do gasoduto de Coari, das hidroelétricas e mineradoras. Além disso, muitas são levadas para outros países com a mesma finalidade.

Como mudar esse quadro na Amazônia?

De acordo com as análises antropológicas e sociológicas, a única forma de romper com esse ciclo vicioso é investir mais na valorização da dignidade humana na região, promovendo maior acesso à educação, saúde e trabalho. Outra questão importante é investir nos mecanismos de enfrentamentos ao tráfico de pessoas, suas diferentes dimensões, causas e consequências, bem como difundir informações sobre o que pode ser feito para fortalecer os mecanismos de prevenção e atendimento às vítimas. Isso pode trazer uma contribuição importante ao enfrentamento desta grave violação dos direitos humanos na Amazônia.”

Se você sabe de algum caso de tráfico de pessoas, denuncie. Faça a sua parte.

Mamãe Coruja

12 comentários:

  1. É... o sexo também pode ser pornográfico...

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    1. Desse jeito...pode,sim.

      Agradeço a honra de "ilustre" visitante.

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    2. Ilustre, o Paulo Moura? ihihihih... digo, rsrsrsrs

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  2. Aliás...todos!

    Obs: como posso comprar o DicioOrdinário IlusTarado? com dedicatória personalizada, claro.
    Pago em euros, em dólar, em real?

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  3. Um amigo meu, de S. Paulo, ofereceu-me um livro de poesia dele em troca do DiciOrdinário. Quando vimos o custo dos portes, até nos benzemos. A solução foi um familiar dele, numa visita a Portugal, trazer o livro de poesia dele e levar o DiciOrdinário com ele. Tens alguém cá em Portugal ou que venha cá?

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  4. Ter, tenho. Mas, tal como vocês, ainda não vieram aqui. A única alternativa é buscar aí...rsss

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    1. Isso! Como se diz na minha terra, "nem és homem nem és nada!" :O)

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  5. Como comentei no blog da Tuna Meliches, um colega meu vai passar uma semana a Belém do Pará (que já vi que é a 3.000 Km - só!!!! - de Manaus). Se quiseres que ele leve o livro e ponha no correio lá, para ti, só tens que me enviar o teu nome e morada completa para afundasao@gmail.com (sim, a São Rosas é uma personagem criada por mim)

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    1. Ele vai é já neste sábado e só lhe posso dar o livro e a indicação de morada até 6ª feira...

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